Domingo 05 de outubro de 2008
Gustavo Werneck - Estado de Minas
Tiradentes - Difícil resistir às tentações da culinária mineira, um patrimônio recheado de história, temperado pela mais pura tradição e admirado por gente do Brasil inteiro. Quem visita as cidades coloniais, entre elas Tiradentes, no Campo das Vertentes, a 210 quilômetros de Belo Horizonte, tem de dispensar algumas horas para provar as delícias da terra, de preferência preparadas na boa panela de pedra, como mandam as sábias cozinheiras. Um dos pratos mais pedidos, no almoço ou no jantar, é o frango com quiabo, acompanhado de angu mole e arroz soltinho, quarteto fumegante e especial para o paladar. Uma iguaria das Gerais.
Em toda a Estrada Real, restaurantes simples e sofisticados mantêm a iguaria no cardápio. Em algumas regiões de mineração, o prato recebe o curioso nome de “xi com angu”. Contam que, lá pelos idos do século 19, antes de sair à noite para beber e jogar, os homens inventavam uma desculpa cheia de imaginação para ludibriar as mulheres. A conversa era: “O Chico nos convidou para comer um frango com quiabo e angu”. Daí, o “xi com angu”. Muitas horas depois, no raiar do dia, eles chegavam em casa e se desculpavam, na maior cara-de-pau. Em vez de frango, o tal Chico cozinhava um galo com quiabo e angu – a mentira colava e as mulheres engoliam, pois, como se sabe, essa ave demora horas para ficar pronta.
Na turística Tiradentes, na Trilha dos Inconfidentes, a cozinheira Elizabeth Batista Teixeira, a dona Beth, de 50 anos, sabe todos os segredos da gastronomia das Gerais. Criada numa família grande de 10 irmãos, ela via, ainda criança, a mãe Zélia pegar o frango no galinheiro, colher os quiabos bem frescos e depois dar início ao processo. Para tornar o serviço completo, agradar aos olhos e dar água na boca, todas as partes eram aproveitadas: das mais nobres (peito e coxa), às de pouca carne (asa, pescoço e pés).
Declarando-se “mineira até mandar parar”, Beth lembra que, na sua casa, as carnes de porco e de galinha eram as mais comuns, pois criavam-se os animais no quintal. Carne de boi, só no Natal”, conta. É dessa época que ela preserva um jeito muito próprio de fazer a comida. Para dar mais sabor ao quiabo, ela o refoga com pimentão cortado em cubinhos, deixando que dourem até secar. Com total sapiência, vai usando técnica e arte para evitar que o quiabo babe – uma delas é usar pouco óleo e dourar bem. “Enquanto cozinho o frango, preparo o quiabo. No fim dá tudo certo”, diz a cozinheira, que dirige, ao lado da filha, Marcela Cristina, de 26, o restaurante Sabor de Minas, no Largo das Forras, no Centro Histórico. Essa área central de Tiradentes é um verdadeiro paraíso para os admiradores dos genuínos petiscos mineiros e também do artesanato fino e dos doces de lamber os beiços.
Com os novos tempos, principalmente com a presença maciça de turistas paulistas, interessados em descobrir as belezas de Minas, muitos restaurantes da região passaram a usar só pedaços mais carnudos, deixando de lado o trio pé, pescoço e asa. Mas se o cliente fizer questão do frango completo, deve dar uma passada antes no restaurante e encomendar.
Fogo do chão
A história da culinária mineira, uma das mais originais do país, vem de longa data. E, até chegar ao frango com quiabo, cumpriu uma trajetória de resistência, testes e mudanças. Tudo começou com os primeiros desbravadores do território que, para não morrer de fome, aprenderam o necessário com os índios. Na busca por ouro e diamantes, e na falta completa de panelas, fogão e mobiliário, só lhes restava observar o que os povos indígenas comiam e seguir seus hábitos. Os alimentos, portanto, eram feitos à base de mandioca e milho.
De acordo com os pesquisadores, os alimentos eram assados, sem sal, no fogo do chão, que consistia num buraco onde ficavam as brasas. Sobre as labaredas, as vasilhas de barro, à moda indígena, eram penduradas em árvores com cipós. Tudo era comido com as mãos, na forma de “capitão”, com as pessoas sentadas no chão. Também era muito comum pôr os alimentos em espetos.
Com a confirmação de que a capitania era rica em ouro e diamantes, chegaram da África os primeiros negros, incluindo mulheres, para trabalhar na mineração. Novos modos de cozinhar se juntaram à culinária local, surgindo os pratos afro-indígenas. Muitos cativos trouxeram sementes de quiabo e, depois de colhê-los, passaram a comê-los misturados ao angu ou com a carne dos animais que caçavam. A banana-da-terra também era muito usada naqueles tempos e todos os doces eram feitos com o mel colhido nas árvores. Quando chegaram as galinhas e porcos trazidos pelos portugueses, o cardápio ficou mais variado. E apetitoso, como a mistura de frango com quiabo, perfeita tradução da hospitalidade mineira.
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