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Sexta-feira 06 de fevereiro de 2009 07:13
Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press
A coordenadora do projeto, Elisa Freixo, ao lado do restaurador alemão Gerhard Grenzing: empenho para despertar um pedaço da história de Tiradentes e do Brasil que estava adormecido e agora poderá voltar a ser admirado por moradores como dona Lena (ao lado)
Tiradentes – Com o silêncio típico da apreensão, o olhar aguçado da curiosidade e o coração no tom maior da alegria, ela sobe, lentamente, os degraus de madeira que levam ao coro da Matriz de Santo Antônio, na histórica cidade da Região dos Campos das Vertentes, a 210 quilômetros de Belo Horizonte. Segundos depois, diante do deslumbrante órgão musical da igreja, Maria Madalena Lopes Silva, a dona Lena, de 80 anos, nascida e criada em Tiradentes, não conseguiu mais conter a emoção. Levou as mãos ao peito, passou os dedos pelo rosto e acalmou os braços, para, em seguida, dedilhar o teclado, como fazia na juventude, acompanhando missas, coroações de Nossa Senhora e outras cerimônias religiosas. “Parece que estou fazendo uma volta ao passado, num retorno de 50 anos. Que bom ele estar perfeito!”, disse dona Lena, diante do instrumento que estava parado – e calado – desde 2000 e será reinaugurado amanhã, às 19h, com uma grande festa que vai até domingo.
Dona de um sorriso simpático, a moradora de Tiradentes é o retrato sem retoques da comunidade local e dos admiradores desse patrimônio sonoro construído em Portugal em 1785 e trazido há 230 anos para o Brasil, onde passou a enriquecer a cultura de Minas. Segundo ela, valeu a pena esperar 20 meses, a partir de abril de 2007, para ver restaurados a caixa em estilo rococó e o maquinário, composto por oito fileiras de tubos, com 632 flautas feitas de uma liga de estanho e chumbo, um teclado, dois foles com cerca de 1,20m de diâmetro cada um (aberto) e duas alavancas. Entusiasmada, a organista Elisa Freixo, da Catedral da Sé de Mariana e coordenadora de todo o projeto musicológico, brinca dizendo que até comprou “roupa nova” para o primeiro concerto, a cargo do organista espanhol Andrés Cea e repertório com obras de Johann Sebastian Bach, Joan Cabanilles e Carlos Seixas.
Ouvindo dona Lena tocar a música religiosa Tamtum Ergo Sacramentum, Elisa ainda encontrou tempo, em meio a todo o frenesi que antecede a inauguração, para encantar, com a delicadeza de uma peça do compositor Joseph de Torres (1661-1727), alguns moradores e visitantes que estavam na igreja na tarde de quinta-feira. “Minas e Bahia são os estados com maior número de órgãos musicais do século 18 preservados. No país, os de Mariana e Tiradentes são os primeiros a serem restaurados. Está em curso ainda a recuperação dos de Diamantina e de São João del-Rei”, disse Elisa, certa de que a entrega à comunidade vai representar um novo tempo cultural em Tiradentes. Vindo de Barcelona, Espanha, o mestre organeiro responsável pelo restauro, o alemão Gerhard Grenzing, mostrou sensibilidade, comparando o instrumento a “um vinho sublime e muito bom, com a cor de um quadro de Ticiano”, numa referência ao pintor renascentista. Perto do instrumento, sussurou: “Ele estava dormindo e tivemos da acordá-lo”.
“Todas as sextas-feiras, às 20h30, vamos fazer concertos na Matriz de Santo Antônio. E, ao mesmo tempo, teremos uma programação especial e gratuita para as escolas da região”, disse Elisa, que, nas apresentações, terá a companhia do organista Kenny Simões.
Retomada musical
O sinal mais evidente dessa retomada musical em Tiradentes está na formação do coro VivAvoz, composto por 18 pessoas da cidade, sob regência de Willsterman Sottani, que já trabalha com o Ars Nova da UFMG. “O órgão musical estava fazendo muita falta, pois representa 50% de uma cerimônia. Ele faz vibrar a alma, é fonte de vida da liturgia”, define o pároco da Matriz de Santo Antônio, padre Ademir Logatti, que vai celebrar a missa de amanhã e abençoar o instrumento, tombado desde 1938 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Entre os participantes do VivAvoz, é grande a expectativa. “Estou emocionado e honrado, pois este instrumento tem um som maravilhoso. Há um sentimento de prazer e orgulho”, revelou Willer Silveira, de 21, regente da Orquestra Ramalho, existente na cidade há 149 anos. A secretária Tânia Mara Firmino, de 42, traz no sangue o gosto musical, pois sua mãe, Terezinha, tocava o instrumento nas cerimônias da Matriz. E Celina Trindade Costa, de 62, não vê a hora de cantar e participar da celebração.
A caixa do instrumento, restaurada em 2007 pela empresa Anima, foi construída a partir de um desenho do entalhador Salvador de Oliveira e teve douramento feito por Manoel Vitor de Jesus. Já o maquinário veio da cidade do Porto, em Portugal, de acordo com pesquisa histórica feita por Olinto Rodrigues dos Santos, do Iphan, que encontrou livros de registros de 1758 mostrando o pagamento a um organista no Santuário da Santíssima Trindade.
Na oficina Grenzing, em Barcelona, todas as peças foram recuperadas obedecendo técnicas usadas há mais de dois séculos, disse Elisa, lembrando que, em agosto, todas retornaram à matriz. Na sequência, vieram os organeiros para montar e afinar o instrumento. A iniciativa do restauro partiu da Paróquia de Santo Antônio e Sociedade dos Amigos de Tiradentes, com apoio do Santa Rosa Bureau Cultural e patrocínio da Petrobras, Banco Itaú, via lei federal de incentivo à cultura, e Usiminas, via lei estadual.
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